Diversas instâncias governamentais anunciaram ações de combate à violência e também afirmam que o número de ameaças caiu.
A frequência de mensagens e boatos na internet falando de supostas ameaças de ataques a escolas diminuiu bastante nos últimos dias, segundo pesquisadores que fazem monitoramento online - esse tipo de conteúdo havia sido muito compartilhado logo após ataques a escolas brasileiras em março e abril.
Mas pais e mães continuam com medo e com dúvidas sobre enviar seus filhos à escola nesta quinta (20/4), data que havia sido citada nos boatos e ameaças por ser o dia em que aconteceu a tragédia em Columbine em 1999 - um dos primeiros e mais fatais ataques a escolas dos EUA.
Há crianças e adolescentes pedindo para ficar em casa na data, assustadas com os boatos nas redes sociais. Cada escola tem lidado com a questão de um jeito diferente. Não é uma escolha fácil para os pais. Nesta semana, a filha de 11 anos da brasiliense Maria Lídia chegou em casa dizendo que não queria ir à escola na quinta, porque ouviu de colegas que poderia haver ataques à escola no dia.
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Maria Lídia diz que ficou com dor uma no coração ao ouvir sobre o medo da menina. Ela conta à BBC que explicou à filha que “havia muitos boatos, que o receio de que aconteça algo tem a ver com o simbolismo da data, mas que a escola é um local seguro e a chance de acontecer algo é baixa”. Mas ela mesma ainda não decidiu se vai levar ou não a menina para a escola nesta quinta.
“Por um lado eu não quero ser exagerada, ceder ao medo, alarmar demais minha filha. Por outro, a gente tem medo sim - por mais que racionalmente eu saiba que a probabilidade de algo acontecer é mínima”, diz à BBC News Brasil. Ela conta que está discutindo a questão com o pai da filha, de quem é separada, e conversando com outras mães.
“As coleguinhas dela vão e a escola mandou um comunicado avisando que amanhã haverá um evento em que cada aluno pode levar um símbolo de amizade, solidariedade e cuidado com o outro para a escola”, conta ela.
“Estamos alinhando. Eu ainda não bati o martelo.” O Ministério da Justiça monitora ameaças e mensagens que falam sobre supostas ameaças de ataques no dia 20/4 desde o início do mês, quando o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), falou que sua pasta estava trabalhando para evitar qualquer ocorrência na data. No dia 10, diversas ações de combate à violência foram anunciadas.
Nesta quarta-feira (19), o ministério anunciou que, desde o início do monitoramento:
Foram presas ou detidas 225 pessoas;
694 adolescentes foram intimados a prestar depoimento;
A polícia realizou 155 operações de busca e apreensão;
1.224 casos estão em investigação;
A pasta obteve 756 remoções ou suspensões de perfis em rede sociais.
Segundo o ministro, a demanda pelo canal de denúncias do Ministério da Justiça voltado para ameaças de ataques em escolas caiu bastante nos últimos dias. Logo após o ataque em Blumenau (SC), no início do mês, havia uma média de 400 denúncias por dia. O número chegou a 1700 por dia. Nos últimos dois dias, a média foi de 170 denúncias diárias.
Legenda da foto,Velas e flores marcam homenagem às vítimas do ataque em escola paulista
Pesquisadores que acompanham o tema nas redes sociais também afirmam que o pânico estava maior nas semanas que se seguiram aos ataques nas cidades de São Paulo e Blumenau.
A diminuição da circulação de boatos, apontam, é um sinal positivo, porque o compartilhamento de ameaças de ataques que não são reais pode ter o efeito indesejado de incentivar uma agressão verdadeira.
“É importante salientar que o consenso entre especialistas é que a divulgação de imagens ou informações de um atentado serve para fomentar novos casos, no que é conhecido como ‘efeito contágio’”, diz a Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo (SSP-SP).
“Da mesma forma, percebe-se que a divulgação de ameaças (muitas das quais não passam de boatos) tem seguido o mesmo comportamento. Quanto mais se noticia, mais casos surgem.”
Para os pais, no entanto, a decisão de mandar ou não os filhos para a escola continua sendo difícil. São considerados fatores como a segurança das crianças, o próprio medo, o sentimento das crianças, o clima da escola, a forma como a instituição tem lidado com o tema, entre outros, segundo explica Danielle Admoni, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) especializada em infância e adolescência.
O ideal, diz, é que os pais trabalhem para encontrar o ponto certo em que medo é útil - ou seja, quando ele nos faz ficar alerta para perigos e nos prepara para problemas - sem cair no medo paralisante, que atrapalha a vida.
“Claro que os pais têm medo. O medo funciona quando nos leva a fazer alguma coisa produtiva, um alerta para ter cautela, ficar mais esperto, checar o que tem acontecido na vida dos nossos filhos”, diz Admoni. “Mas ele vira um problema quando se torna paralisante, começa a limitar demais a vida. Quando a pessoa não consegue dormir, comer, sair de casa.”
“Precisamos lembrar as crianças e nos lembrar que, em geral, a escola é um lugar seguro, onde as pessoas estão para cuidar e proteger. A gente viu durante a pandemia os problemas que surgem quando as crianças ficam muito tempo ser ir à escola”, lembra ela.
“Estamos vendo que as autoridades estão tomando atitudes. Os casos assustam justamente porque a gente espera que a escola seja um local seguro. Mas são situações pontuais, corremos riscos também fora da escola.”
“É como um acidente de avião. Não acontece muito, mas quando acontece a questão fica tão em evidência que gera essa sensação enorme de insegurança. Ainda mais quando envolve os filhos”, diz ela.
Conversar sobre o tema com as crianças é essencial, aponta a psiquiatra. “A pior coisa é os pais fingirem que não tem nada acontecendo”, afirma a psiquiatra. “A criança precisa sentir que pode procurar o pai, a mãe ou o responsável quando está com medo ou tem dúvidas. Porque mesmo que ela não veja notícias em casa, algum colega pode falar do assunto, aí a coisa chega sem filtro.”
“A criança percebe que tem algo errado, e se você diz que não é nada, está desvalorizando a percepção que ela tem da realidade. Então é preciso explicar, dentro das possibilidades.”
A postura da escola dos três filhos de Maria Victória, em Brasília, foi justamente a de trazer o tema para conversa - o que fez a mãe se sentir muito mais segura.
A instituição percebeu que havia uma burburinho entre as crianças, com algumas assustadas e chorando, e chamou os alunos do sexto e sétimo ano para conversar e ouvir seus medos e preocupações.
“Algumas crianças falaram do medo, outras falaram sobre o que fariam - uma disse que iria na turma da irmã mais nova buscá-la. Então foi muito legal essa troca, essa postura da escola de acolher qualquer tipo de resposta”, diz Maria Victória, que decidiu que vai levar os três filhos para a escola nesta quinta.
“Nós temos sorte que é uma escola pequena, com crianças menores. Não tem ensino médio, não tem um clima escola de bullying, de problemas assim”, conta ela à BBC. “Minha filha tem uma amiga cuja mãe é do Corpo de Bombeiros, e ela também vai para a escola, então isso ajuda também a gente a confiar nas instituições e ficar convicta de que devemos mandar.”
“Mas eu entendo totalmente os pais que não vão mandar. Porque é um medo mesmo, é algo que atinge um lugar para os pais... É um amor, um afeto muito grande que temos (pelos filhos).” Carla*, que participa do mesmo grupo de mães que Maria Victória no WhatsApp, ainda não decidiu se o filho vai ficar em casa ou se vai à escola amanhã.
Ele estuda em uma escola diferente da filha de Maria Victória e Carla ficou com receio após receber o posicionamento da instituição. Embora a escola tenha feito treinamento com policiais e aumentado a segurança, diz ela, o principal problema não tem sido combatido, diz ela.
“Infelizmente não estamos vendo muitas escolas adotarem medidas de combate ao bullying, com treinamento de professores sobre identificação, abordagem e intervenção em casos de discriminação, violência ou isolamento social. Essas sim seriam as medidas importantes para combater esse problema de violência nas escolas no médio e longo prazo”, diz Carla à BBC. Ela cita algo que também é apontado por pesquisadores - que a maioria dos ataques é feito por alunos e ex-alunos que têm ódio do ambiente escolar.
“A escola do meu filho se considera inclusiva por ter uma metodologia de ensino inovadora, mas não contempla de maneira permanente o tema da inclusão de deficientes, não treina professores e só trabalha combate ao racismo na semana da consciência negra. De combate à homofobia não vi nada até hoje. Então, estou bem preocupada com o rumo que essas violências extremistas vão tomar no Brasil”, diz Carla.
Danila Di Pietro, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e parte de um grupo liderado pela professora Telma Vinha, que mapeou ataques a escolas nas últimas décadas, afirma que transformar os prédios das escolas em algo parecido com prisões não é a resposta.
“É um problema complexo e duradouro”, diz ela. “Que esses dias sejam usados para fomentar debates sobre esses ocorridos, problematizar de fato, dar espaço para as pessoas expressarem seus sentimentos e serem acolhidas em suas angústias, além de pactuarem propostas para uma convivência cada vez mais ética e inclusiva.”
Cada escola particular tem lidado com a questão do dia 20 de um jeito - algumas chamaram para a conversa, outras criaram eventos e atos com temas positivos, chamaram os pais para participar do dia, aumentaram a segurança e até mesmo cancelaram as aulas.
Mesmo na rede pública, a postura varia muito. Em São Paulo, por exemplo, muitas escolas estaduais não terão aulas porque reuniões chamadas conselhos de classe já estava programadas para essa semana desde o início do ano.
Para as escolas municipais, a prefeitura anunciou uma série de medidas de proteção e segurança, e unidades têm escolhido diferentes ações. Uma escola municipal no bairro de Higienópolis, por exemplo, convidou os pais para participarem de um evento em celebração da solidariedade e amizade.
“Não existe uma resposta única sobre o dia 20, cada escola precisa avaliar o perfil dos pais e alunos e decidir como proceder”, diz Danielle Admoni. No entanto, diz ela, algo que todas as instituições precisam fazer, sem exceção, é o combate ao bullying e à discriminação.
“Os casos de ataque são sempre de alunos e ex-alunos que recorrem à violência para se vingar. Claro que tem outros fatores, como disfunção familiar, questões de saúde mental não tratadas. Mas essa raiva do ambiente e das pessoas da escola é algo comum entre os agressores”, afirma.
“Claro que isso não torna a instituição culpada, mas trabalhar esse tema do bullying, da agressão é algo que todas as escolas precisam fazer.”
Medidas do governo federal e das redes sociais
Entre as medidas adotadas pelo Ministério da Justiça para coibir a propagação do discurso de ódio que possa incitar ataques estão a exigência de fiscalização mais profunda das redes sociais — onde foram encontradas várias publicações de incentivo a massacres em escolas e até mesmo idolatria aos responsáveis por esse tipo de crime.
A pasta também anunciou diversas investigações por meio das polícias civis de diferentes Estados e da Polícia Federal.
Na terça-feira (18), o ministro Flávio Dino afirmou que 225 pessoas foram presas ou apreendidas (menores de 18 anos) na operação relacionada a planos ou ações de violência no ambiente escolar.
“Dá uma média de mais de 20 por dia”, disse Dino. "Preocupante é que olhamos, do governo Fernando Henrique até o governo pretérito, uma ampliação ano a ano desses números, uma trajetória ascendente. E por isso estamos aqui, para cortar essa ascensão perigosa da violência e do ódio”, declarou Dino.
Ao todo, diz Dino, foram feitas mais de 7,4 mil denúncias desde que o Ministério da Justiça iniciou a operação em todo o Brasil.
Além disso, foram encaminhados mais de 100 pedidos às redes sociais para preservação de conteúdos nas plataformas para investigações policiais.
Em nota, o TikTok afirma que "relatos de ameaças potenciais de violência nas escolas são abomináveis e tristes, e o conteúdo que estimula o pânico sobre isso não tem absolutamente nenhum lugar em nossa plataforma”.
“Estamos trabalhando agressivamente para identificar e remover conteúdo que possa causar pânico ou validar farsas, incluindo a restrição de hashtags relacionadas. Onde encontramos ameaças iminentes de violência, trabalhamos com as autoridades policiais, de acordo com nossas políticas de relacionamento com as autoridades locais”, acrescenta o comunicado da plataforma.
O Twitter não respondeu ao pedido de informações encaminhado pela reportagem. Mas segundo o colunista Guilherme Amado, do Metrópoles, a plataforma informou ao Ministério da Justiça em 11 de abril que derrubou 546 perfis com conteúdos ameaçadores ligados a ataques a escolas.
O Instagram e o Facebook, ambos da Meta, informaram à reportagem que proíbem conteúdos que incitem ou promovam a violência.
“E isso inclui contas ou conteúdos elogiando atos violentos e seus autores. Além disso, não permitimos a presença de pessoas ou organizações que anunciem uma missão violenta ou estejam envolvidas em atos de violência nas plataformas da Meta. Isso inclui atividade terrorista, atos organizados de ódio, assassinato em massa (incluindo tentativas) ou chacinas, tráfico humano e violência organizada ou atividade criminosa”, diz comunicado da empresa.
“Removemos, ainda, conteúdo que expresse apoio ou exalte grupos, líderes ou pessoas envolvidas nessas atividades. Adicionalmente, colaboramos com autoridades respondendo prontamente às suas demandas”, acrescenta a nota do Instagram e do Facebook.
O WhatsApp, também da Meta, reforçou em nota que "coopera ativamente com as autoridades locais" e fornece dados disponíveis em respostas às autoridades locais para ajudar em investigações policiais, "em conformidade com a legislação aplicável".
“O WhatsApp encoraja que as pessoas reportem condutas inapropriadas diretamente nas conversas, por meio da opção “denunciar” disponível no menu do aplicativo (menu > mais > denunciar) ou simplesmente pressionando uma mensagem por mais tempo e acessando menu > denunciar. As pessoas também podem enviar denúncias para o e-mail support@whatsapp.com, detalhando o ocorrido com o máximo de informações possível e até anexando uma captura de tela”, diz a empresa.
“O usuário ou grupo denunciado não recebe nenhuma notificação sobre essa ação. É importante ressaltar que conteúdos ilícitos também devem ser denunciados para as autoridades policiais competentes”, acrescenta a nota do WhatsApp.
Fonte: BBC News Brasil
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